25 de março de 2011

Sobre mim

Eu gosto de sol e vento batendo no rosto. Da chuva forte que cai de madrugada. De um filme debaixo do cobertor. E de dançar a noite inteira. Gosto quando chega de noite e os olhos vão fechando naturalmente de tanto sono. E de manhã quando acordo com o sol entrando no quarto, porque agora durmo com as cortinas abertas. Nas horas vagas deito na rede pra ler um livro e comer chocolate. E agora que tenho um tapete verde, felpudo e antialérgico sento nele pra estudar. Mas o que eu gosto mesmo é de pegar uma canga e deitar no gramado em frente a biblioteca da ufes. Fico escutando música, sentindo o sol na cara e o vento passando pelo corpo. Passo horas ali pensando, rindo e chorando. Pena que nos últimos tempos aquilo ali só anda alagado e fedorento.

22 de janeiro de 2011

Fragmentos de afetos de uma turnê pelos terminais da Grande Vitória

Inicialmente queria escrever um texto sobre os afetos do Terminal Tour, escrevi alguns rascunhos, partes que me afetaram mais foram escritas logo que cheguei em casa. Agora, passado algumas semanas resolvi pegar esses relatos e montar o texto, mas minha memória falha e não consegui resgatar muitos afetos daquele dia. Preferi deixar o texto entrecortado do que manipular e florear os afetos já existentes só pra ficar mais bonito e corrido. Gosto dele assim, composto com tudo o que digeri daquele passeio. x)

Eles começaram em Laranjeiras. Nós os acompanhamos a partir de Carapina. Os instrumentos: Um violão, uma voz e uma concertina. Os personagens: Denis e Murilo. Os coadjuvantes: Julia, Júlia e Endi. Público Alvo: Transeuntes. O setlist era composto de músicas desconhecidas: Ramuma (Alina Orlova) e Við Spilum Endalaust (Sigur Rós); de músicas não muito conhecidas pelo público alvo: On the Radio (Regina Spektor) e Elephant Gun (Beirut); e a clássica Bandeira Branca.
(...)
Eu e Júlia chegamos no Terminal de Carapina de carro. Os meninos já estavam lá, nos esperando para começar. O lugar estava movimentado pra um sábado à tarde e com uma barulheira. Eles começaram a tocar e não conseguiamos ouvir muito bem, sendo que estavamos há menos de 2 metros deles. Me senti um pouco desconfortável nessa primeira parada. Estávamos em pé em frente a eles, paradas no meio do terminal. As pessoas passavam toda hora, muitas vezes sem nem olhar para quem tocava. Alguns olhares curiosos, mas que pareciam ter medo de olhar mais 5 segundos e ter que dar algum dinheiro. Foi a impressão que eu tive. Me incomodei muito!
(...)
Quando eles acabaram eu e Júlia fomos comprar água num bar ali do lado. Um moço que trabalhava no bar perguntou o que eles estavam fazendo, se era uma serenata e qual o motivo deles estarem tocando. Eu ainda me sentia desconfortável e respondi com palavras vagas como: não, estão se divertindo...
Depois a Júlia me falou que todo mundo que estava no bar tava assistindo os meninos tocarem, eu não tinha percebido isso.
Quando eu sai houve um primeiro estalo do movimento que se formava nesse Terminal Tour. As pessoas a nossa volta eram afetadas de alguma forma pelo espetáculo. Em volta de nós se formava uma rede invisível de sons, imagens, energia, afetos: Entre os meninos e nós, entre os meninos e e os transeuntes e entre nós e os transeuntes. Não importa se as pessoas se sentiam incomodadas, se ignoravam o que acontecia ou paravam para olhar. Se estavam desconfiadas, atrasadas ou curiosas. Algo daquilo ali tocava elas de algum modo.
(...)
Pegamos o ônibus pro Terminal Vila Velha. Adoro ônibus com caminhos compridos. Eu sempre começo a viajar na paisagem, me perder em pensamentos e a rir sozinha. Eu sempre prefiro ir de ônibus pros lugares do que pegar o carro.
(...)
Terminal V.V:
Uma senhora vendendo algodão doce ficou em pé do meu lado. Ela ria e trocavamos olhares risonhos quando o cara bêbado dançava ou conversava com os meninos.
(...)
O cara bêbado que dançava com os meninos quis dar o celular dele pro Murilo. Muitas pessoas que esperavam o ônibus ficaram olhando os meninos tocarem.
(...)
A última parada era então Itaparica. O final de tarde estava lindo e de dentro do ônibus eu via a paisagem de prédios cada vez mais rarear. A última coisa que me chamou atenção antes de chegarmos ao Terminal foi um motel chamado Dunas, que me lembrou Itaúnas. O terminal Itaparica é LINDO. Muito melhor que a Rodoviária e qualquer Terminal, até mais bonito que o Jardim América que já é bonitinho. Ele é grande, arejado, organizado, limpo. Descemos do ônibus e os meninos foram escolher um lugar pra ficar. Havia uma parte do terminal cheia de gente e eu quis dar pitaco pra ficarmos ali, mas preferi ficar quieta e deixar que os artistas escolhessem. Não gosto de me meter nessas coisas. Eles escolheram um lugar vazio. E nós sentamos num banquinho sob uma placa avisando que o onibus dali partia pra Santa Paula.
No início não havia ninguém, passavam poucas pessoas. Depois um cara passou por ali e resolveu ficar olhando. Um casal ia pegar o onibus pra Santa Paula e sentou do meu lado. Ficaram observando. O homem foi até lá e voltou. E me perguntaram se eles queriam dinheiro. Comecei a conversar com eles, falar sobre a turnê pelos terminais. Eles gostaram da ideia. Falaram do baixo incentivo aos calouros (palavras deles) da musica em Vitória. Perguntaram se estavamos indo pra Santa Paula. "Não, não, essa é nossa última parada" Respondi. Comentaram sobre a harmonia entre o violão e a concertina (o homem foi o único em todos terminais que sabia o nome do instrumento) e sobre a voz do Denis ser bonita. A última musica foi Bandeira Branca e o homem falou que os clássicos nunca acabam, que o avô dele já cantava aquela música pra ele e os jovens de hoje continuam cantando. O show acabou, dei tchau pra eles. Não sabia bem se deveria dar boa viagem ou não pra eles, já que não sei onde fica Santa Paula e deixei por isso mesmo.
(...)
Pegamos um ônibus pra UFES e passei o caminho sorrindo pro Por do Sol porque aquele tinha sido um bom encontro. As músicas, os músicos, a reação das pessoas em todos os terminais valeram a pena.

21 de janeiro de 2011

Pedaços de Cerâmica e Fragmentos de Memória

Semana passada fui pra Itaúnas com alguns amigos de longa data. Eu já tinha passado por lá quando, com uns 8 anos, fui de carro com papai pra Porto Seguro. A única lembrança que tenho é de nós dois procurando nas dunas que cobrem a cidade antiga - pelo o que me pareceu horas - a cruz da igreja, que dizem que dá pra ver.
Voltei pra lá sem pensar na parte histórica, só com a ideia de aproveitar a praia, os amigos e não ir pro forró. Mas quando cheguei nas Dunas foi impossível não despertar a lembrança daquela cidade enterrada.
Sou míope e fiquei encrencada que lá longe dava pra ver uma construçãozinha branca que, pra mim, era uma parte da igreja que eu e papai haviamos procurado 10 anos atrás, mas com o sol queimando minha cabeça não me atrevi a chegar perto. Decidi ir deixando sempre pra depois, depois, depois. Quando eu chegava nas Dunas pensava que estava muito calor e ia deixar pra mais tarde, quando voltava da praia, pensava que tinha que subir muitas dunas pra chegar na tal construção.
Uma noite fui ver as estrelas na ponte. Fiquei ali o que me pareceu horas. Era um universo inteiro sobre minha cabeça que eu olhava de boca aberta. Só reconhecia as três marias, mas aos poucos fui aprendendo os outros nomes. Escorpião nascendo de um lado do céu, o Cruzeio do Sul noutro canto, um planeta bem bonito e brilhante pro lado das dunas. Dava pra ver a luz das cidades próximas em alguns cantos do céu. Eu vi a via láctea, eu vi a via láctea, a via láctea. O tal leite derramado no céu. E eu vi estrela cadente, três estrelas cadentes. Demorei muito tempo pra conseguir ver uma e confundi muitos grilos com estrelas cadentes, mas depois eu vi três e não fiz pedido nenhum, porque os pedidos que estavam na minha cabeça, já estavam sendo realizados. Um era ver estrela cadente, o outro era ver o céu tão estrelado como estava e o terceiro era estar em contato com aquilo que pra mim é divino, a tal da natureza, dos sapos coaxando, das dunas cobrindo uma cidade inteira, dos barulhos silenciosos da noite. Me senti feliz. Tão feliz que no dia seguinte não esperei ninguém acordar e fui pra praia sozinha.
Me sentia feliz comigo mesma, me sentia respirando, me sentia expandir. Ri sozinha e um hippie ficou conversando um tempão comigo sobre aquele lugar que havia me encantado tanto. Ele falou que, já que eu tinha gostado tanto de lá, era pra eu casar com um nativo e me mudar pra lá. Depois que ele foi embora fiquei um bom tempo devaneando a possibilidade.
Foi delicioso. Sempre considerei a praia, a areia, o mar, o sal, o vento como uma sessão de descarrego pra mim, limpeza da alma. Não sei ser feliz sem isso e quando saio de lá me sinto - acho - como se tivesse confessado com o padre. Leve, feliz, toda minha.
Voltei pra casa e todos estavam indo pra praia ver o por do sol. Resolvi ir junto.
Aquelas dunas me invadiram e depois achei um poema do Manoel de Barros que conseguiu falar parte do que senti aquela tarde. Enquanto o sol não descia fui passear sozinha até a tal construção, que na verdade não era construção, era uma placa (míope). Fui até a placa e vi que ali, sob meus pés estavam uma igreja, um cemitério e o mastro da antiga Itaúnas. Arrepiei. Arrepiei por muito tempo. E fiquei andando por aquela área, sentindo meus pés formigarem, como se tivesse muita energia.
Tem certas coisas que mexem muito comigo. Não sei bem o que, depende de muita coisa, mas há como um encantamento que me faz querer expandir e me emaranhar no lugar. Eu poderia passar horas sentada ali, sem pensamento algum, só respirando e sentindo.
Fomos embora após o por do sol e quando saimos do parque os Ticumbi tavam tocando dentro do Museu. Foi meio que um chamado pra eu entrar ali. Eles tocaram menos de 5 minutos quando eu entrei e sairam tocando pela cidade. E eu fiquei, no museu, sozinha novamente.
Ali tinha uma maquete da cidade antiga, e eu perguntei pro guia o que era aquilo que eu tinha visto nas dunas e ele me mostrou exatamente o lugar e disse que ali perto dava pra ver ruínas de uma casa. Deu vontade de voltar pras dunas só pra ver a tal ruína. Em cima da maquete, havia algumas fotos em preto e branco. A legenda dizia que era fotos da última família que saiu de Itaúnas. As fotos mostravam uma familia humilde, todos de costas. Um pai, uma mãe, uma criança de mãos dadas com a mãe e um bebê no colo que era o único que olhava pra trás. Olhos de quem deixa um lar. Não consegui desgrudar os olhos dessas fotos. Uma queimação subiu minha garganta, como se fosse um choro. Me senti iluminada. Não estava feliz, nem triste. Meu estado era de contemplação. No museu tinha algumas histórias, uns pedaços de cerâmica, de garrafas de bebida, de remédios, de pratos, tudo da vila antiga. Achei interessante, mas não me tocou muito, pois estava tudo guardado em uma caixa de vidro. Eu não podia tocar, não podia sentir a textura, o cheiro, rodar pra ver os detalhes, se era pesado. Agora eu vejo o quanto eu queria tocar aqueles objetos. Como a fotografia me tocou os olhos e como as dunas me tocaram os pés.
Fui embora. Comigo veio a saudade. E quase dei cambalhotas quando uma amiga sugeriu de voltarmos agora em fevereiro.


O poema do Manoel de Barros é esse:

O abandono do lugar me abraçou de com força.
E atingiu meu olhar para toda a vida.
Tudo que conheci depois veio carregado de abandono.
Não havia no lugar nenhum caminho de fugir.
A gente se inventava de caminhos com as novas palavras.
A gente era como um pedaçõ de formiga no chão.
Por isso o nosso gosto era só de desver o mundo.

2 de dezembro de 2010

SE UM BRASILEIRO NUM DIA DE DEZEMBRO...

pelo meu amado Caio F., para você...


Suponha que um anjo bata à sua porta. Não se espante: é final de ano e tradicionalmente, como os balões de junho, esta data é propícia ao aparecimento de anjos. Para evitar constrangimentos ou diálogos inúteis, você está sozinho em casa. Então o anjo bate, depois você larga o que estiver fazendo, abre a porta e convida-o para entrar e sentar, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Como a coisa mais natural do mundo, quando chega visita, também porque faz calor, e ainda ou principalmente porque algo em você sempre soube que deve-se ser gentil com anjos, você pergunta se ele gostaria de beber alguma coisa. Evite fazer isso: afinal, o que um anjo bebe? Café parece inadequado, quente demais para chá, difícil imaginar refrigerante ou cerveja, uísque ainda mais, suco de frutas talvez? Não ofereça nada, sequer faça qualquer comentário sobre o tempo ou aquelas perguntas para forçar intimidades tipo então, como vai o Gabriel?

Não, não pergunte nada. Pense apenas que, se um anjo bateu exatamente à sua porta nesta época do ano, e se tão exato entrou e sentou à sua frente, ninguém melhor do que ele saberá, com exatidão, o que fazer. Então espere. Não fique tentando descobrir se seria arcanjo, querubim ou serafim, nem se barroco, gótico ou medieval. Também tente serenizar a memória que certamente vai disparar feito computador, enumerando todas as imagens angélicas arquivadas desde a infância, ou até antes. Controle a tentação de achá-lo a cara daquele anjo da guarda com as mãos estendidas sobre as crianças à beira do abismo; afugente o anjo patético de García Márquez caído num galinheiro; esqueça o anjo cego Pygar carregando Barbarela pelos céus: um anjo é todos os anjos, sobretudo em dezembro. Concentre-se neste, pousado à sua frente.

Suponha que você está sentado imóvel e calado à frente de um anjo em sua própria casa, numa manhã ou tarde ou noite deste dezembro. Isso dura algum tempo, parado feito um fotograma. E atenção: estou certo que só depois que o anjo perceber que você parou de corpo e mente, e portanto abriu-se para ele, aceitando-o sem ohs!, é que vai começar a falar. Não uma voz de som, compreenda, mas uma voz dentro de você mesmo, muito clara, embora de certa forma abstrata, porque não-sonora. Com essa voz e nesse momento, o anjo vai dizer a você que pode pedir qualquer coisa. Mas qualquer, qualquer mesmo?, você pergunta ávido.

Calma, calma: chegamos ao ponto. Eu aviso porque sei que, quando o anjo falar, será muito fácil sua mente desenfrear-se desgovernada por carros, amores, apartamentos, viagens, iates e toda essa espécie de prazeres. Bastardos, bradará o anjo. Porque — atenção! — se você for pessoal, haverá em seguida um ruflar de asas, um clarão, e o anjo desaparecerá sem atender pedido algum, sem deixar nenhum sinal.

É que, a grande revelação eu faço agora, os anjos deste dezembro não são pessoais. Concentrado e fervoroso, então, peça pelo País, por este onde estamos agora os três. Eu, você, o anjo. Que se banhe de luz, peça, e não só isso, peça abstrações como justiça, paz, dignidade, honestidade, e peça ainda o concreto de estradas, escolas, trabalho, comida. Feche os olhos, enumere tudo, com todos os detalhes. Não importa que demore muito, e certamente vai demorar: o País tem todos os defeitos do mundo. Mas os anjos, eles também têm todo o tempo do mundo.

Agora abra os olhos. Suponha que você tenha terminado de ler este texto. Suponha que você não acredita em anjos. Suponha que você joga o jornal de lado aborrecido e assim nesse movimento de folhas voando, voa também entre elas uma pena pelo ar. Branca, leve, inconfundível. Que estranho, você pensa, parece de anjo. É neste momento que alguém bate à sua porta.

O Estado de S. Paulo, 11/12/1993

8 de setembro de 2010

Cheiro triste

acordei
e achei que a manhã cheirava a tristeza
e meu corpo tinha a sensação de ter vivido essa tristeza
ter sentido esses cheiros
ter sentido essa dor
e arrepiei
eita, sensação estranha, conhecida há muito e desconhecida há pouco.
e ainda estou com a mesma sensação
de um tempo em que senti isso
e fico tentando lembrar o que foi
mas não consigo chegar ao ponto exato!
Dancer in the dark faz o cheiro aumentar, o corpo se aproximar da causa
Caio F. também, mas a época parece anterior.
É um cheiro de férias tristes, de banho tomado, unhas feitas e nenhum desejo..
Só encolher...
Férias de verão...
mas a passagem de som na praia me lembra também algo.
Sim, férias passadas, dezembro, ano novo, janeiro e um 8 de setembro antigo.

23 de agosto de 2010

Aquecimento teatral

Dançam corpos. Pulsão e movimento, palavras e silêncio. Peso e leveza. Mãos que se unem, mãos que se separam, mãos que se enlaçam sem conhecer o rosto de quem... Sorrisos sem o motivo perfeito. Caretas. Felicidade. Um aperto no peito e segundos depois uma expansão desmedida. Pra mim pareceu que todas aquelas mãos estavam entrelaçadas, todos queriam o outro e todos se bastavam por si próprios. Era uma opção: o outro. Era uma opção: a dança. Era uma opção: o peso e a leveza. Sentir corpos, ser corpos, ser vida... Ser respirar e pulsar. Movimentar-se.

21 de agosto de 2010

O amor, por Tati Bernardi

O amor

Semana passada liguei pro meu melhor amigo e convidei para um cinema. A gente não se falava desde o ano novo, quando tudo deu errado pro nosso lado. De tempos em tempos sumimos, falamos umas coisas horríveis de quem se conhece demais. Ele topou desde que fosse daqui pra frente, preguiça de conversar da briga e tal. E fomos. Cheguei antes, comprei. Ele chegou depois, comprou água. Porque eu comprei os ingressos, ele comprou também uns doces e disse que pagaria o estacionamento. Porque ele pagaria o estacionamento, eu disse que daria a carona da volta. E com meu coração tão calmo eu voltei a sentir o soninho de sofá de casa com manta que sinto ao lado dele. A gente não se beija nem nada, mas quando vai ver pegou na mão um do outro de tanto que se gosta e se cuida e se sabe. Já tivemos nossos tempos de transar e passar nervoso e aquela coisa toda de quem ama prematuramente. Mas evoluímos para esse amor que nem sei explicar. Ele me conta das meninas, eu conto dos caras. Eu acho engraçado quando ele fala “ah, enjoei, ela era meio sem assunto” e olha pra mim com saudade. Ele também ri quando eu digo “ah, ele não entendeu nada” e olho pra ele sabendo que ele também não entende, mas pelo menos não vai embora. Ou vai mas sempre volta. Não temos ciúmes e nem posse porque somos pra sempre. Ainda que ele case, more na Bósnia, são quase quinze anos. Somos pra sempre. Ele conta do filme que tá fazendo, eu do livro. Os mesmos há mil anos. Contar é sem pressa de acabar. Se ele me corta é como se a frase que eu fosse falar fosse mesmo dele. É um exibicionismo orgânico, como se meu silêncio pudesse continuar me vendendo como uma boa pessoa. São quinze anos. É isso. Ele me viu de cabelo amarelo enrolado. Eu lembro dele gordinho e mais baixo. Ele sempre comprou meus testes de gravidez, mesmo a suspeita nunca sendo nossa. Eu já fui bem bonita numa festa só porque ele queria me fazer de namorada peituda pra provocar a ex mulher. Minha maior tristeza é que todo novo amor que eu arrumo vem sempre com algum velho amor tão longo e bonito. E eu sofro porque com pouco tempo não consigo ser melhor que o muito tempo. E de sofrer assim e enlouquecer assim, nunca dou tempo de ser muito para esses amores porque estrago antes. Mas meu melhor amigo é meu único amor. O único que consegui. Porque ele sempre volta. E meu coração fica calmo. E ele vai comigo na pizzaria e todos meus amigos novos morrem de rir porque ele é naturalmente engraçado e gente boa e sabe todos os assuntos do mundo. E todo mundo adora meu melhor amigo. E eu amo ele. E sempre acabamos suspirando aliviados "alguém é bobo como eu, alguém tem esse humor" e mais uma vez rimos da piada que inventamos, do pai que chega pro filho e fala: sua mãe não é sua mãe, eu transei com outra". E esse é meu presente dessa fase tão terrível de gente indo embora. Quem tem que ficar, fica.

Tati Bernardi (www.tatibernardi.com.br)

14 de agosto de 2010

Sensação

  1. Saudade

  1. Sentir falta
  2. Sentir vazio
  3. Sentir choro
  4. Sentir vontade
  5. Sentir silêncio
  6. Sentir abraço
  7. Sentir calor
  8. Sentir companhia
  9. Sentir amor
  10. Sentir remorso.

17 de julho de 2010

Um dia azul


Amanheceu.
O telefone tocou uma, tocou duas, tocou três vezes e acordou Tereza.
Tereza nesse dia tinha 22 anos e 6 meses exatamente. Seus olhos estavam borrados da maquiagem do dia anterior e o rímel grudou os cílios ao ponto de ser difícil de abrir o olho.
No dia anterior Tereza se vestiu ao som de Black Eyed Peas, maquiou-se ouvindo Katy Perry e dançou a noite inteira Lady Gaga. Chegou em casa com vontade de deitar ali mesmo no sofá, sem tirar sapato, nem meia calça, nem maquiagem.
Arrependeu-se por não ter tirado a maquiagem no dia anterior, pois os olhos ardiam e estavam melecados de remela preta.
Olhou o celular e não reconheceu o número do qual haviam ligado. Não estava em sua agenda, mas tinha certeza que lhe era familiar. O número ligou de novo e Tereza ficou olhando o celular e repetindo o número mentalmente pra ver se lhe restava alguma lembrança do que fora esquecido. Não lembrou. Só lembrou que um dia aquele número havia sido importante.
Fechou os olhos e limpou a remela.
Rolou alguns minutos na cama.
O celular continuava em suas mãos.
Tereza repetia o número mentalmente.
Levantou num estalo quando lembrou e sorriu.
Eu posso listar aqui os diversos motivos por que Tereza sorriu. Explicações que vinham desde sua infância, acontecimentos recentes e pessoas marcantes.
Tereza sorriu porque naquele dia ela havia esquecido um número que há pouco lhe era muito importante. Sorriu como quem relembra que as vidas passam, repassam e vão embora um dia e talvez voltem. Esquecer aquele número era tão importante quanto ter gravado ele um dia, pois esquecer lhe lembrava que as pessoas são capazes de digerir, lhe lembrava algumas aulas da sua faculdade e lhe trazia uma sensação de leveza.
Sorriu não só por esquecer, mas por ter lembrado que aquela pessoa ainda lhe fazia feliz e que seu coração não apertava, apenas expandia.
Finalmente sorriu porque sabia que naquele dia ela iria à praia. E o dia estava lindo!

Sentimento bom

Leve, leve, leve...
Imprevisível
Intenso
Imenso.

31 de maio de 2010

Nem isso de você.

- A gente terminou tudo errado. Ela disse olhando-o nos olhos. Nos olhos dela lágrimas por cair, brilho demais, castanho demais, o sentimento era intenso, mas as palavras também.
- Como deveria terminar então? Os olhos dele eram secos e esquizofrenicos, o sentimento era superficial, mas a preocupação se fazia presente.
- Um beijo, um abraço e um adeus. Sei lá. Mas não isso. Isso é intenso demais e pesado demais pra mim.
- Pra mim é leve.
Um sorriso da parte dela.
- Queria tanto, mas tanto que fosse leve pra mim. A vida seria mais gostosa com você levemente ao meu lado.
Um sorriso da parte dele.
- Eu não sei mais como tomar um caminho, como terminar as coisas.
- Você já tomou um caminho, só não consegue perceber.
- Mas eu queria tanto saber aonde vai terminar esse caminho!
- Você quem traça ele, não deixa o destino te levar. A culpa é sua por estar aonde está. Não é porque o destino quis assim, a culpa é sua.
Ela abaixou a cabeça, com o peso da culpa nas costas. Queria se sentir leve, mas não conseguia e tentava através das palavras trazer a calma.
- O que eu faço?
- Faz o que te faz bem.
- Já não sei mais o que faz bem. Não preciso me sentir bem, só preciso me sentir leve igual você. Me ensina a ser leve? Por favor. E depois me abraça?
Ela pensou na resposta dele: Sempre. Mas ele sorriu melancolico e a abraçou, sem ensinar como ser leve e sem terminar nada.

29 de maio de 2010

Formato Mínimo

Sentou na mureta balançando as perninhas. Procurou os óculos de grau na bolsa e colocou-os, pois desejava ver toda a encenação.
Os dois corpos a sua frente tocavam-se e faziam movimentos obscenos, mas ela não conseguia desviar a atenção, nem queria. Ela precisa de um pouco de voyerismo e um pouco de dorzinha de barriga por aquela dança mal interpretada, mas cheia de realidade na sua frente.
Os dois corpos não paravam de rir de sua carinha nerd de óculos, sentada na mureta com as perninhas balançando. E rindo formavam sua dança de braços, pernas, corpos entrelaçados, cabelos bagunçados.
Sua pele arrepiou quando um dos corpos se afastou e fez o movimento de partida. E sua barriga rodopiou quando o outro corpo não o deixou partir. Os braços se uniram, os cabelos se misturaram e as bocas sumiram, entregues. Foi o que pensou a menina de óculos nerd sentada na mureta balançando as perninhas.
Com seus olhos atentos à sedução não conseguia enxergar nada além de corpos entregues e de seu próprio corpo rígido, imóvel, intocado!
Um dos corpos partiu após um último beijo e um último toque. A menina de óculos observou o outro corpo solitário e teve a nítida vontade de ir lá substituir o corpo que partira. Quem sabe sua dança também não despertaria algo, algum sentimento.
Rígida, continuou parada, observando o outro corpo se levantar. E nesse momento achou que fosse ele quem viria até ela e a chamaria para movimentar-se, para dançar, para respirar um pouco. Não, ele apenas a olhou, com pena por alguém deixar de viver para enxergar a vida dos outros, e foi embora... e ela também foi embora, logo depois, esquecendo da vida um pouco e vivendo pelos outros um tanto, naquele formato mínimo de amar. E nunca mais se viram.

24 de maio de 2010

Repetição


existe:
se permitir persistir no erro

e o repetir o erro como sintoma.

20 de maio de 2010

Solvente

Dissolve um pouco disso aqui que parece um emaranhado de ausência e de presença.
Dissolve um pouco a confusão dos dias juntos e das noites distantes.
Dilui com água a sensação de te ter tão perto e tão longe no mesmo instante
Dissolve a sensação de num toque haver tanta distância e num suspiro haver tanta pele.
Pega todo esse emaranhado, arame enfarpado e vai desatando os nós calmamente, um por um.
Afrouxando uns vai apertando outros e formando nós e desatando nós.
Pega todo esse cuidado, toda essa relação, toda essa dúvida, toda ausência e presença e transforma num bom encontro.
Um bom encontro que acontece por vezes e que dissolve todos os nós, todos os laços.
No fim... corroi tudo.

27 de abril de 2010

Dialogos e penhascos.

Julia Alano diz:
... mas pior que é assim mesmo. A genta tá lá, quietinho, olhando pela beirada do penhasco. As vezes a gente deicide tomar um impulso, vai até a borda e vê que é alto demais pra ficar vivo e baixo demais pra morrer. Se morresse logo de cara não tinha problema, mas o pior é sofrer lá, sobreviver lá. Ai a gente volta, senta mais pra beirada, se remoi todo. A angustia, a angustia, a angustia. Pensa nas mil e mais um pouquinho de possibilidades do que vai acontecer se se jogar e se não se jogar. Ai vai, calcula...

Thiago Ruschi diz:
quer saber? Pega e se joga logo

Julia Alano diz:
... olha pra trás, remoi. Lembra do penhasco anterior. Na verdade tem uma lembrança distorcida do penhasco anterior. Ai nem é fruto de nada calculado, nem é fruto dos seus pensamentos, da angustia. É mais alguém que foi lá e te empurrou, ou mais aquele momento entre uma respiração e outra que a gente sai correndo e se joga. Ai depende né... As vezes a gente consegue voar um tempão, abrir os abraços e sentir o frio na barriga, às vezes a gente se estatela logo de cara e vê que a queda nem foi tão grande assim ou vê que doeu mais do que você imaginava. Mas é de repente: PLAFT! Um dia a gente cai. Fica um tempo machucado, perdido, sem saber aonde nem porque. Por que ficou tanto tempo voando e de repente caiu? Porque um dia a gente caiu ora bolas! E a gente se recupera e já tá correndo (alguns mancando) pra outro penhasco, porque no fim, calculando e recalculando a gente vê que valeu a pena.

Thiago Ruschi diz:
Então qual a conclusão?

Julia Alano diz:
Nem sei x/

Thiago Ruschi diz:
Se joga uai!

25 de abril de 2010

Uma canção humana e a vontade de manchar a página de vinho.

Eram quase três da madrugada quando ela resolveu abrir a geladeira escolher o suco de uva ao invés do vinho tinto e se sentar pra ler algo que há alguns meses decidira só mexer no tempo certo. Diferente de todas as outras coisas que foram cuidadosamente guardadas dentro de uma gaveta o livro continuou na estante, um pouco esquecido e um pouco lembrado. Nunca mais foi aberto. Vontade não faltava... De talvez, antes de dormir, naquele estado entre o sono e a vontade de permanecer acordado, abrir numa página aleatória e ler um pouco de sentimento. Aquele sentimento feminino e universal, de teorias das expectativas desfeitas, encontros e desencontros, enfim... Sentimento. Abafando a vontade havia o medo de que ao abrir a primeira página viesse o choro... quem sabe o desespero? A lembrança da tal expectativa desfeita.
Na madrugada decidiu que era a hora de tomar um suco de uva e reler o livro. Se a noite andava tão silenciosa e tediosa por que não chorar um pouco ou rir um pouco? Não lhe importava muito a sensação que fosse despertar, desde que houvesse alguma se sentiria um pouco mais ela mesma.
Leu os amores, as escolhas e a imaginação e tudo fez sentido. Não houve necessidade de pensar, nem remoer, nem chorar, nem nada. Só ler já fazia tudo parecer dela. O que tinha nas páginas era algo tão seu, tão universal e facilmente compreendido que não precisava de mais nada a não ser o livro, o suco de uva manchando a página e as músicas de fundo de uma banda com canções humanas (nem alegres nem tristes) que lhe lembravam os mesmos tempos bons e distantes (nem tão) que o livro lembrava.
Ficou por fim, antes de se deitar com enjôo do suco de uva e amor no coração (por vários motivos), uma parte da canção e um trecho do livro:

“I don’t see you
Between me and the sun
I don’t see you
But I hear when you sing
Someday we may disappear
But I’m proud of what I have been” Between me and the sun - Cocoon

“Talvez por isso, quando levantam voo, as moscas não têm rumo certo, não saem do ponto em que se encontram para ir a um lugar definido, nem definitivo; apenas voam, sem planejamento, rota, medo ou dificuldade, sem apego, sem ambições nem amarras, sem projetos complexos, sem ciúme e sem saudade, e seja o que Deus (o das moscas) quiser.” Todo sentimento – Ana Laura Nahas

21 de abril de 2010

Eu hein oO

e agora?
depois de tudo
não consigo mais escrever nem uma linha sequer...
não consigo mais escrever nem uma linha sem me sentir nua.
Ontem deitei na cama e me senti despida, me senti vazia e me senti inteira.
Não sabia se isso significava extrema solidão ou extremo amor.
Mas foi uma sensação única e eu sorri... um sorriso nu.
e agora?
Quero tudo e não quero nada
não quero a vida torturante nem a melancolia do domingo
Decidi em meio a tantos outros planos e pensamentos e sentimentos
que aceito todas as condições
elas são válidas e preenchem o que me faz despida.
A unica injustiça aqui é eu pensar demais.
A unica coisa que posso fazer daqui em diante é ser eu mesma, nua, esperando você colocar alguma roupa em mim.

7 de abril de 2010

O palco

Tudo lhe parecia tão claro e tão exposto que sentia até vergonha de remoer um pouco mais sobre isso. As coisas pareciam não precisar mais serem pensadas nem conversadas nem atuadas. O ensaio já tinha sido ensaiado e reensaiado e a cenas refeitas com personagens, sem personagens, com objetos e sem falas. Tudo lhe pareceu tão claro e perfeitamente enquadrado naquele instante que não havia espaço para duvidas.
- Vamos lá! - Pensou consigo mesma e mergulhou nos instantes seguintes, naquele momento já havia a certeza do que faria. Não lhe importava o certo, o errado, o ensaiado e que talvez tudo fosse uma mentira. - Vamos lá! - Repetiu e mergulhou sabendo que voltaria sã e salva.
No palco tudo lhe pareceu diferente do que foi refeito mentalmente e mentalmente ensaiado. As atuações eram verdadeiras e intensas, a entrega foi real, mas foi tudo diferente de um jeito bom.
Por fim ao voltar a superficie falou consigo mesma que ficaria sã e salva. E remoendo um pouco o que não havia mais pra remoer pensou que não ficaria sã e salva.
- Vamos lá! - Disse para si. E foi embora sem olhar pra trás. Sem remoer nada, apenas completa de fatos e sentimento momentaneos, apenas com a certeza de que tudo sempre dá certo. - Vamos lá viver!

5 de abril de 2010

Medo da vida

Ao completar 16 anos todas as alminhas boas e puras se dirigem para um salão chique e bonitão. Lá elas dançam, flertam, e se divertem por uma noite e no final acham outra alminha boa pra viver junto o resto da vida. A partir do primeiro beijo as almas estariam unidas para sempre, com amor, amizade e casamento. As duas almas seriam namorados e depois casados, e velhinhos casados vendo os filhos e netinhos crescerem e aos 16 anos arranjarem almas boas também. Os casais estavam destinados a felicidade mutua e eterna, juntos.
Aos 16 anos tudo ficaria em paz, pois todos arranjariam alguém para completar e amar de um jeito bonito e feliz. E fim.
Agora pare, pense, sinta e lembre... Se isso tivesse acontecido aos seus 16 anos com quem você compartilharia sua vida para sempre? E com quem você não compartilharia sua vida nem por um segundo?
Uh! deu medinho.

2 de abril de 2010

Amargo

Me sinto amarga. A cada saliva engolida sinto um amarguinho no fundo da boca e no inicio da garganta. Penso num café expresso sem açucar ou num chocolate meio amargo, que apesar do doce é o amargo que me faz não gostar desse chocolate.
É um pouco de repressão esse amarguinho que não é ruim... o pescoço travado, o peito travado, os olhos apertados. Não é choro porque choro tem gostinho salgado e embrulha a garganta quando a gente segura.
A minha garganta só tá travada, não tá embrulhada. As lágrimas já sairam demais e tá na hora de manter o foco. Talvez seja esse manter o foco que me deixe amarguinha.
E eu me pergunto: manter o foco em que? quando não tenho nada pra focar, nada pra realizar.
Acho que é um manter o foco pras coisas não me afetarem novamente. Mas fazendo isso eu acabo na defensiva. Sem atacar, realizar, dançar e me distrair eu acabo é contraindo o corpo e tentando manter a defensiva, o que não me faz feliz... nem triste (será?).
As vezes a vontade é de não sentir nada. NADA. e eu fico pensando que eu não sentiria as coisas boas, o prazer.
E eu desejei muito sentir tudo! E que tudo me afetasse, mas isso mais me doi do que me dá prazer. Sem um filtro eu me encolho e retraio.
Cansei do amargo da minha boca.

30 de março de 2010

Sossego bom

Tem um livro que nunca leio e sempre leio os trechos grifados, são realmente muito bons...
O livro se chama Inscrito no Corpo.

"Nos livros sobre privação, dizem a você para dormir com um travesseiro arriado do seu lado. Não como uma mulher holandesa, isto é, um travesseiro longo usado entre as pernas nos trópicos para enxugar o suor, não como uma mulher holandesa, repetindo. "O travesseiro lhe dará conforto durante as longas horas seguidas. Se adormecer, a sua presença ao seu lado será incoscientemente benéfica para você. Se acordar, a cama lhe parecerá menos espaçosa e solitária." Quem é que escreve esses livros? Eles acham realmente, esses conselheiros calmos e sérios, que sessenta centímetros de pano com enchimento pode aplacar a dor de um coração partido? Não quero saber de travesseiros, quero a sua carne respirando e em movimento. Quero que sua mão segure a minha na escuridão, quero rolar sobre você e enfiar-me dentro do seu corpo. Quando me viro durante a noite, a cama tem a largura de um continente. Existe um espaço branco infinito onde você está ausente. Eu o percorro centímetro por centímetro, mas você não está lá. Não é um jogo, você não irá surgir bruscamente e surpreender-me. A cama está vazia. Eu estou nela, mas a cama está vazia."

Esse trecho me lembra quando eu era pequena e tinha pensamentos ruins e vazios antes de dormir. Era horrível e me fazia chorar muito até a hora em que os pensamentos cessassem. Um tempo depois eu comecei a abraçar o travesseiro bem, bem, bem forte quando vinham esses pensamentos e tudo passava na hora. Era uma sensação muito aconchegante abraçar o travesseiro, encolher as pernas e abaixar a cabeça. Confortável, vinha o sossego. Os pensamentos pararam e só vêm de vez em quando.
O amor veio e me fez sentir o gosto que é abraçar a carne e a respiração enquanto dorme. O amor veio e me fez sentir o gosto que é ter o peso de alguém e o coração de alguém sobre você. O gosto que é ver os olhos alheios se fecharem de prazer e a boca procurar o beijo.
Essas sensações são um pouco viciantes, e a cada relacionamento se procura um jeito diferente e gostoso de senti-las, um jeito diferente e gostoso de amar.
E depois que eles deixam minha cama de casal vazia parece que a cama de casal não foi feita para não amar.
Hoje eu só ocupo metade da cama de casal. Acho estranho eu não achar estranho acordar na metade da noite e ver que a outra metade está vazia. Que não há pressão na cintura, nem cheiro de outro homem, nem respiração alheia, nem beijo sonolento de madrugada, nem sexo sonolento de manhã x)
É tanta coisa que tantos homens trazem pra gente e não levam embora, a sensação não vai embora, vai se acumulando e sossegando, é tudo meu agora.
Outro dia tentei abraçar o travesseiro pra aplacar o branco vazio, o silêncio vazio. E o abraço também foi vazio. Foi meio bobo até depois que tentei. Pois travesseiro não respira, travesseiro não cheira, travesseiro não ama nem faz carinho. Travesseiro não expande, apenas contrai quando a gente abraça. Abraçar o travesseiro é mais vazio do que o espaço vazio que tem do meu lado, porque com esse eu já acostumei.

24 de março de 2010

tão perto, tão longe

I need you so much closer...
Quando você vem e compartilha comigo seus desejos, seus abraços, seus beijos e seu afetos eu me sinto em posição fetal, a mais confortável e protetora que há, eu me sinto acolhida e quente, mesmo sem reação, mesmo sem cuidado, eu sinto como se você não fosse deixar a bicicleta cair, mesmo sem eu saber me equilibrar, não me passa pela cabeça a ideia de que alguma vez eu possa cair e me machucar. E é por isso que preciso de você tão perto, bem perto, perto de mim. Porque é assim que o conforto vem, pois sei que sem as mãos no guidom eu me sentirei segura pois você está comigo.
E quando você se vai às vezes é como se eu caisse ou como se eu tivesse que me sustentar em cima da corda bamba de qualquer jeito. E quando eu caio eu choro, como eu choro. E quando consigo me sustentar não posso me distrair, pois caio e choro. E se distrair faz bem, faz muito melhor do que o pensamento que gira e me faz ficar concentrada pra não desequilibrar. E eu chego a conclusão que você esteve perto demais para eu me sentir confortável. Acho que você me deixou segura demais pra de repente me fazer aprender a andar sozinha de bicicleta. E quando eu perco sua segurança o medo vem, o pensamento vem, o mal estar também.
Too Close for comfort...
mas como eu consigo igualar as duas formas de proximidade, o perto demais e o longe demais? Como eu consigo lidar contigo e comigo, e com todos os outros sem desequilibrar, sem prestar atenção e ao mesmo tempo tirar as mãos do guidom como se a direção estivesse ao vento?
Deixa estar, deixa viver.

10 de março de 2010

O gato




lembra do gato?

ele sorri diferente por aqui, meio de lado sabe?

aliás, bem de lado, como se estivesse deitado

um dia desses acho que ele tava rindo, quase dava pra ver lá fora
Júlia Alvarenga

26 de fevereiro de 2010

preservado num velho bau de prata dentro de mim

Há tantas coisas que guardamos e por um instante esquecemos. E de repente acontece algo que faz tudo vir como explosão... e é como se não houvesse motivo, mas a verdade é que o unico motivo é que não esquecemos, não ultrapassamos nem deixamos pra trás, simplesmente guardamos e escondemos. E quando vem o choro, quando vem o desespero a gente não sabe bem o porque... a gente se pergunta de onde veio toda essa força que parecia fraca, de onde veio todo esse amor que parecia raiva fraca, de onde veio o que já passou.
Acho que o unico modo de deixar passar é amando. Amar a si mesmo acima de cada sofrimento. E assim deixar o sofrimento vir e ir embora, sem perder a ternura. Não adianta nada guardar as coisas, elas um dia voltam num turbilhão e é quando percebemos que na verdade não deixamos passar, apenas fingimos... e pra que serve o fingimento? pra mostras pras outras pessoas que está tudo bem, ou tudo mal, pra mostrar indiferença... se quando eu viro as costas todo esse fingimento só me doi, não doi o outro. Me amando eu não preciso fingir, não preciso guardar, pois o amor trás confiança, o amor ergue nossa cabeça e nos deixa grandes. O amor não precisa de esperança.

Amo perdidamente cada pedaço de mim.

Desenho corações toda manhã em meu corpo, em meus órgãos e em meus sentidos.

E me amo reciprocamente. Isso é o mais bonito.

13 de fevereiro de 2010

Plumas, Paetês e serpentinas

É engraçado como me senti feliz alguns segundos atrás, quando sentei nessa rede, olhei pro céu e balancei feito criança... comecei a rir sozinha pensando nas coisas que a gente faz da vida e o que ela faz com a gente. Eu ri porque me senti feliz e vi que mamãe esta sempre certa quando repete: na vida tudo é passageiro menos o trocador e o motorista. Eu sorri com um sorriso tão grande e verdadeiro e sem saber porque. Talvez porque balançar na rede e olhar o céu sejam a unica coisa que eu precisava naquele momento (foi o que eu pensei naquele momento) e talvez porque as unicas coisas que podiam atrapalhar isso era uma dor de barriga ou esqueci o que mais (foi o que eu pensei agora).
Agora eu penso que exatamente tudo na vida é passageiro. E o que seria da gente se tudo durasse para sempre? Acho que o que me alegra nesse instante é perceber que eu não deixei me abater... sofrimentos vem e vão embora e apesar de naquele momento acharmos que nunca passará quando a gente menos espera vemos que não há sofrimento, que apesar de tudo a alegria prevalece, até que percebemos que isso também passará.
Mas apesar de todas as surpresas que nos acontecem, todos os pormenores que não percebemos e que com o passar do tempo vamos desvendando. Questões do passado que acabamos por perceber que não era como achavamos, acontecimentos que mudam muitas coisas, mas que na hora não percebemos o impacto. Apesar de tudo isso que acontece acontecendo, não importa se por acaso ou destino (e realmente não importa) sempre haverá uma rede para sentar e um céu para contemplar, um bolo de chocolate pra fazer, um tartarugo pra cuidar, a louça pra lavar ou até esse blog pra escrever. As coisas simples sempre estão lá pra não provocar sofrimento e talvez nem alegria, mas naqueles momentos em que queremos relaxar, sorrir sem um motivo ou não pensar em nada. E no fim são com as coisas simples que percebemos que o mundo é complicação (estar em paz é estar morto) e que por isso estamos sempre em transformação (nem alegre, nem triste) e somos capazes de superar tudo (as tristezas... e as alegrias).

3 de janeiro de 2010

hoje não...

Hoje não quero mar, nem montanha, hoje não quero sorvete nem coxinha, nem cerveja nem água. Não quero sair só hoje, amanhã quem sabe. Hoje eu não quero morrer, mas não quero viver também. Hoje não... Só hoje não termina comigo, só hoje não me deixa de castigo, só hoje não me negue um chamego.
Seria bom se hoje eu não atendesse os telefonemas, nem chorasse no ponto de onibus, nem amasse demais. Não quero amar demais só por hoje, nem de menos. Hoje não dá pra sofrer. Ontem, amanhã quem sabe, mas hoje não quero sofrer. Hoje não quero sonhar, hoje não quero deixar de viver nem de morrer aos poucos. Só por hoje não me deixa sozinha, só por hoje dança comigo, me abraça me faz tua amiga.
Hoje não...
Amanhã quem sabe, ontem talvez, mas hoje não quero deixar passar, nem preciso esperar chegar. Hoje não tira meu brilho, não me deixe chorar, não se deixe abalar.
Mostre um pouco de sentimento pra hoje eu não desesperar. Me de um pouco de conforto pra eu não explodir e me fragmentar. Hoje não quero explodir, hoje não quero meus cacos por ai, só hoje.
Hoje não quero que o hoje passe.

24 de outubro de 2009

por Álvaro de Campos

No lugar dos palácios desertos e em ruínas
À beira do mar,
Leiamos, sorrindo, os segredos das sinais
De quem sabe amar.

Qualquer que ele seja, o destino daqueles
Que o amor levou
Para a sombra, ou na luz se fez a sombra deles,
Qualquer fosse o vôo.

Por certo eles foram mais reais e felizes.

27 de setembro de 2009

Querendo quebrar

Estufo o peito e me estilhaço em raiva. São fragmentos fragmentarios destruindo tudo ao meu redor. Espelho quebrado. Vida estilhaçada. Mas o estilhaço é bom, gosto de fragmentos, gosto de não saber se tem fragmentos faltando ou sobrando em minha vida. Gosto do não saber e do esquecer e do se perder.
Enviaram-me 77 carta querendo saber onde estou, porque estou, o que eu sou e o que farei. Não tenho planos, não quero ter planos e se tiver planos pretendo mudar de idéia em 1, 2, 3... pronto... mudei de idéia. Acho hilariante correr sem saber pra onde, cheirar sem saber o que, esperar por algo que não se sabe com quem nem onde vai acontecer. A surpresa nova de uma novidade que já passou. Sempre será surpresa se chegar no momento certo, ou quem sabe no momento errado me faça mais inconstante. Gosto do sabor de se perder, do sabor de não saber o que. Fazer gargalhadas, imitar palhaçadas, chorar até se quebrar, até não sobrar mais nada pra contar. E não saber o porque disso tudo por fim.
Não se lembrar, nem querer se lembrar, continuar no vazio, pairando, levitanto, viajando sem querer chegar a algum lugar. Pensamentos soltos. Frases soltas. Palavras sem nexo formam uma frase sem nexo e no fim tudo tem fim. Mesmo sem saber o que significa e se isso complica ou descomplica minha vida. Quero não querer, quero me jogar ao sabor do vento e deixar os contratempos para trás, fazer o que eu quiser quando quiser e fazer sorrisos por ai, lágrimas por ai, delícias de viver por ai, sem me importar com mais nada, com as nuvens chuvosas no céu, ou com o copo sujo de gordura na pia.
Quero pegar o telefone e desligar na sua cara, ou atender e ouvir o tú, tú, tú, tú, tú no meu ouvido.

17 de setembro de 2009

Levitar

Divisei um homem no final da rua. Ele vestia bege e tinha uma cara meio bege. Os cabelos brancos caiam pelas orelhas grandes e uniam-se a barba grande. Divisei esse homem que vestia bege e que me parecia invisível a não ser pelos cabelos e barbas brancos.
Comecei então a dividi-lo em partes, como se a cabeça branca levitassse enquanto o corpo sumia no horizonte e os pés vestidos com um sapato social preto sobrassem no chão.
Cabeça e pés, tão separados.
A cabeça nas nuvens e os pés no chão. O corpo não interessa.
O coração daquele homem também deveria ser bege, sua vida devia ser bege pensei.
Sua cabeça não estava junto com seus pés, nem com seu corpo. Nem os pés estavam junto com a cabeça e nem com seu corpo.
O homem dividido que eu divisei foi embora, deixando pra trás seu corpo bege, só foi a cabeça e os pés embora. Cada um para o seu lado. Os pés foram comprar pão, enquanto a cabeça foi trabalhar.
O corpo bege ficou sozinho, um pouco desgovernado sem cabeça e sem pés. A mão bege me deu um tchau, coçou o saco e ficou ali esperando a vida passar.

13 de setembro de 2009

Sobre o escrever

Desde pequena escrevi. Histórias, poemas, frases soltas, qualquer coisa. Me fazia tão bem, era como se saisse algo de dentro de mim (não sei se bom ou ruim). Ficava inspirada porque lembrava do meu avô que nunca conheci. Ele era escritor e eu achava que escrever me fazia ter alguma ligação com ele. E eu queria ter alguma ligação com ele.
Escrever quando algo me incomodava, quando o coração doia ou eu estava prestes a explodir me fazia parecer que eu estava no topo do mundo. Libertando minha alma com a escrita.
Sempre fui mais chegada a narrativa do que a todo o resto. Inventava, Reinventava histórias e tudomais, mas nunca chegava ao fim, ou se chegava eu vivia mudando o fim, ou adicionando um novo fim ao fim e assim por diante.
É difícil colocar um fim nas coisas, elas sempre pedem mais e mais e mais. Incessantes. Não se cansam de continuar. Assim como a vida não para, as histórias também não querem ter fim. E se um personagem morrer tem seus filhos, seus netos, ou quem sabe sua vida pós morte.
Acho que é por isso que gosto da narrativa. Me cabe tanto, cabe tanta coisa e no fim ela tem vida própria. Não sou mais eu que guio a história, é ela quem me guia.
Mas o difícil é continuar, mesmo estando apaixonada é difícil ter força pra continuar e melhorar. Então veio a época de seca. Não escrevia nada, nem queria escrever nada. Meu tempo se voltava para outras atividades e a realidade me secava de inspiração. Não havia dor pra exprimir, nem sentimentos pra colocar no papel. Não havia um personagem que necessitava ser criado, nem uma história que devesse ser contada.
Era um pouco impotente por certo lado, não escrever. Imagina! Julia Alano não escrever.
Mas eu não sentia falta. Às vezes o coração apertava. Eu sentia que precisava escrever, mas não saia, e eu nem tinha vontade que saisse. Não havia esforço.
A seca vai embora, a seca volta... É assim na vida também.
Deixei as narrativas de lado, fui para coisas que não sei nem o nome, poemas, algo tipo poemas, pequenos textos sobre mim, coisas do tipo. Narrativas não. Muito menos para publicar. Achava meio bobo criar histórias, fantasiar e etcetal.
Agora voltei.... meio capengando, meio manca e sem prática, mas pelo menos voltei. Juro que sinto que devo escrever, e me deixa tão feliz e tão leve e tão vazia. Mas é bom se sentir vazia, livrar-me de tudo e me sentir vazia. Vazia, mas cheia.
Minhas narrativas voltaram. Capengando também, mas pelo menos recomeço de algum ponto.
Só tenho que agradecer a mim mesma e ao vovô por ter me dado a inspiração inicial. A família por sempre me incentivar e a professora que falou para eu publicar meus textos.

24 de julho de 2009

Desperto cheio de sonhos... desencantado com o mundo fora da minha cabeça.

"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada".

e desfaleço em lágrimas sem motivos, quero sair, fugir, dormir... qualquer coisa que me faça melhor.

porfavor.

27 de maio de 2009

desfaz

Soneto de Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente


Vinícius de Morais

30 de abril de 2009

Eu preciso da areia nos meus pés, do barulho do mar rasgando meus ouvidos, da sensação da brisa fria no meu rosto e o emaranhado que fica meus cabelos.
Não consigo viver sem ver o sol e o céu refletindo na água, a espuma branca beijando os pés de quem passa. O cheiro da maresia alternado com o de milho ou queijo cozinho.
Eu me sinto doente sem o gosto da água de coco na boca ou da água do mar quando mergulho.
O sol, o céu e o mar...
A areia em que o pé pisa e afunda, coomo se não quisesse que saíssemos dali.
A ardência do sol na pele, do sal na boca, dos dois nos olhos.
Mar é poesia, mar é turbulência e calmaria. Mar sou eu, cheio de vida ainda desconhecida.
Procurando a liberdade a qualquer custo enquanto o mundo o aprisiona.

26 de abril de 2009

Decifra-me ou te devoro

Espero contente de repente acontecer. Paciente quero te ver do amanhecer ao anoitecer pensando em mim, procurando em todos os detalhes das minhas palavras um pouco mais de mim. Quero ver toda essa sensação de conhecimento do outro se desfazer em segundos, quando o meu gesto contradiz a minha fala. Digo: 'Te quero" e coloco a mão em seu peito como se o afastasse de mim. Digo: "Te quero longe de mim" e um abraço brota dos meus braços. Sou pura contradição e não me importo com isso, gosto e desgosto ao mesmo tempo, amo e odeio ao mesmo instante. A cada toque um sentimento, ou não... ou nenhum sentimento. Decifra-me ou te devoro.

O que durante a manhã tem quatro pernas, ao meio-dia tem duas e à noite tem três?

Te devoro.

Diafragma

o que acontece é a repressão.
o maxilar tensiona, o diafragma também e a respiração fica fraca. O esofago fecha e a boca tranca. é tanta raiva dentro da caixa torácica que é impossível explodir. Se eu explodisse dilacerava alguém, não haveria piedade, não haveria porra nenhuma. Essa tensão de coisas não ditas me tras dores de cabeça, me faz doer os dentes, doi dentro, incomoda, estraga. Eu não quero viver na merda, já vivi muito tempo nisso, já aguentei muito tempo disso, só por causa do hábito, por causa do sexo, por causa do amor. Ou não. As pessoas são covardes demais para perceber o quanto é intenso. Tudo é intenso. E me incomoda.

22 de abril de 2009

Ponto

.

21 de abril de 2009

Sento e espero. Não sei o que eu espero. Tenho muita coisa pra fazer, mas continuo esperando. Só hoje, me deixa passar o dia na ansiedade de esperar por nada, esperar algo sem nome, algo sem expectativa. Eu não sei o que eu espero, mas canso por não fazer nada. Nos últimos tempos não tenho feito nada. A gente ia mudar o sistema, não ia? mas agora não, temos que esperar ter um pouco mais de conhecimento, esperar mais gente participar, esperar, esperar, esperar. Não quero uma vida cheia de expectativas, quero fazer, realizar e mudar, sempre mudar. Por isso não espero mais nada. Me levanto e vou pentear meu cabelo.
E sento de novo para pentear em frente ao computador, mas pelo menos não to esperando mais nada.

13 de abril de 2009

Talvez

talvez eu goste de ficar triste
porque quando eu fico triste dá um aperto no coração
e o aperto no coração se parece com um abraço bem forte...
eu gosto de abraços.

12 de abril de 2009

BEM NO FUNDO

no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data, aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar para atrás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas



Leminski

11 de abril de 2009

Não

Não.
Não?
Não,
não:
Não!
... depende, mas não é de mim somente
de você também, de repente.
e de repente nao é mais de mim que depende.
depende de quem não independe
depende de quem quiser literalmente.
quem não quiser não fica dependente,
fica livre da decisão, completamente.
e o sorriso do gato da alice no céu.
e pra ouvir o som do mar de noite
me leva pra ver as estrelas?

Lembranças

hoje eu lembrei de coisas que não me lembrava mais.
e eu lembrei da vez que eu fui no sitío e fizemos uma fogueira enorme, cozinhamos milho e fizemos pedidos. Foi o pedido mais importante da minha vida. A gente dava três voltas na fogueira enorme e mentalizava o que queria.
Eu queria ver a via láctea!
E eu vi naquela noite.
Eu lembro do som, dos grilos, do cheiro de madeira queimada, do frio e do medo de escuro. Mas eu suportava o escuro aqui embaixo se lá em cima era tão claro, tão brilhante e morto.
Eu sabia da história de que muitas das estrelas que apareciam no céu já estavam mortas, e eu pensava nas estrelas mortas. Doeu pra morrer? Foi devagar ou num instante?
E eu pensava também no leite derramado... A história de que a via láctea é leite derramado no céu.
Eu passaria minha vida naquela noite se tivesse companhia, mas todo mundo quis dormir e eu esqueci.
mas agora me lembrei...
.pra mim pelo menos aquilo era via láctea.
dire seoç
bobo, bebo, babo
cedo ou tarde
me desmancho em choro
e caio.

dependência


é a carência de ser
a carência de ter



dependo para não sentir dor
e dependo da dor para ser/ter amor.

10 de abril de 2009

Vazio

a dor
doi
não há amor, só vazio
não há calor, nem sangue, nem afeto
não há o encontro, apenas o desencontro...
por mais que tentem se encontrar o fim é o mesmo.
desce...
é quente, mas não é vivo
é como um abraço sem sentimentos
um útero vazio, sempre vazio
que doi e me destroi.

7 de abril de 2009


desabrocha, desapega e se entrega.

31 de março de 2009

berimbau

...
A movimentação parou. O meu pressentimento se confirmou. Os militares formaram uma barreira impenetrável na nossa frente. Os gritos também param. Só sobrou o berimbau e, finalmente, ele também cessou. Os soldados não nos olharam nos olhos, não conseguiam. Nós tínhamos os olhares ardentes da juventude, eles tinham os olhares vazios da submissão, nunca poderiam nos encarar. Choque.
...

6 de março de 2009

Corpos

A vida ali é seca. A pele é seca, a terra é seca, o céu é seco, Deus é seco. Os olhos são molhados. O choro vem devagar com a lembrança do Nhô Miguel, que saiu para ganhar a vida na cidade grande e de lá não voltou.
As vezes chega notícia, mas a vida de quem vai do Nordeste para a Grande São Paulo parece tão difícil quanto a que se vive ali.
O choro termina quando a pele manchada de sol do antebraço esfrega a face, num esforço de que junto com as lágrimas cessem as lembranças e os desejos. Ele não sabe se valeia a pena jogar tudo para o alto e reconstruir longe da terra natal.
Nhô Zerê volta a enchada ao solo seco. Tem medo de que o pouco que colhe não sustente a família e o próximo filho que espera na barriga da mulher, mas não é hora de pensar, ainda faltam muitas horas para o árduo trabalho chegar ao fim.
O sol à pino castiga-lhe o corpo, castiga o Sertão. Ele não sabe se ali é Deus que castiga ou é o Diabo que se diverte. Sua mulher, a Rosa, diz que são os dois, que é Deus e Diabo brigando na Terra do Sol.

21 de fevereiro de 2009

Ritual

É complicado, complicado, muito complicado.
Na verdade a história é bem simples, sou eu quem complica, quem analisa cada instante.
Por um instante tudo é realidade e eu tento recriar essa realidade na minha cabeça. Não dá certo! Vou parar de analisar os instantes, os segundos, tic, tac, tic, tac... fim.

Eu tive insônia, como nunca havia tido. Foram três, quatro dias sem dormir direito, fechava e abria os olhos umas duas vezes durante dez segundos. Isso aconteceu uma semana antes de sair o resultado da UFES.
Muitas coisas me atordoavam, inclusive a ânsia de ver a lista dos aprovados.
Eu lia um livro que falava sobre morte sempre antes de dormir e isso não me deixava dormir.
Eu me irritava, brigava com as pessoas e tomava banho toda hora pro tempo passar mais rápido, mas à noite eu não conseguia dormir, não conseguia fazer com que o tempo passasse mais rápido pra mim. Insuportável.

O resultado saiu. Eu passei e achei que irradiaria felicidade. Não acredito que não foi assim, que fui tão estúpida ao ponto de pensar o que pensei. Eu não queria! Eu queria fazer pré vestibular, era quase tão insuportável quanto a insônia pensar que uma fase da minha vida havia acabado. Eu cresci e tinha a impressão que não estava preparada pra isso. Eu não queria crescer, Síndrome Peter Pan. Eu preferia fazer pré vestibular, quem sabe ano que vem eu estaria pronta para encerrar mais uma fase da minha vida? Mas que idiotice, que ridículo.

O primeiro contato. Medo. Eu via aquelas pessoas que nem conhecia interagindo, amigas, amigos da faculdade. Eles eram demais pra mim, estranhos demais, empolgados demais, amigos demais, longe demais de mim! Onde eu fui parar, foi o que eu me perguntei. Minha cabeça girava, meu mundo girava. Tudo sempre muda tão rápido assim? As mudanças costumam ser lentas, você só percebe depois que TUDO mudou, mas essa não foi assim, não estava acostumada, nem um pouco. Foi amargo, depois foi doce, foi como se eu estivesse num sonho.

A gente se acostuma, vê que era aquilo mesmo que queria. Eu olhava pra eles, pros veteranos de Psicologia e via que era aquilo que eu queria ser, que é daquela realidade que eu quero pertencer. Não quero pertencer a realidade ali na frente, o branco e azul, branco e azul, branco e azul, paredes, portas, branco e azul, roupas, vida branco e azul. A "evolução do ensino" não seria nenhuma evolução se eu fizesse o pré vestibular. A UFES é a evolução do MEU ensino. É o passo que eu sempre sonhei em dar e que no ultimo instante, o instante em que TUDO foi realidade eu quis dar as costas. Não sou tão covarde e estúpida a esse ponto. Hoje nem sei mais como pude pensar ISSO!

E foi um Ritual. A matrícula. Eu vesti a camisa do Sacré-Couer e não percebi o significado por trás disso. A camisa sujou, os meus veteranos sujaram ela como se cubrissem meu passado. Acabou, não é pra voltar atrás, ande sempre olhando pra frente, cabeça erguida, enfrentando cada desafio. A camisa ainda está suja, coberta de tinta e não quero tirar, não quero limpar, quero que continue coberta de tinta. Porque não vai voltar, eu não vou voltar. Eu venci e quando sair da UFES, daqui a muitos anos, cobrirei a camisa da UFES de tinta também. Cada etapa, cada mudança é um ritual.

Não significa que o que ficou pra trás é esquecido. Meus amigos antigos não serão desfeitos, eu amo eles, mas pretendo amar o que vem agora. Pretendo amar tudo o que me derem.

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