25 de abril de 2010

Uma canção humana e a vontade de manchar a página de vinho.

Eram quase três da madrugada quando ela resolveu abrir a geladeira escolher o suco de uva ao invés do vinho tinto e se sentar pra ler algo que há alguns meses decidira só mexer no tempo certo. Diferente de todas as outras coisas que foram cuidadosamente guardadas dentro de uma gaveta o livro continuou na estante, um pouco esquecido e um pouco lembrado. Nunca mais foi aberto. Vontade não faltava... De talvez, antes de dormir, naquele estado entre o sono e a vontade de permanecer acordado, abrir numa página aleatória e ler um pouco de sentimento. Aquele sentimento feminino e universal, de teorias das expectativas desfeitas, encontros e desencontros, enfim... Sentimento. Abafando a vontade havia o medo de que ao abrir a primeira página viesse o choro... quem sabe o desespero? A lembrança da tal expectativa desfeita.
Na madrugada decidiu que era a hora de tomar um suco de uva e reler o livro. Se a noite andava tão silenciosa e tediosa por que não chorar um pouco ou rir um pouco? Não lhe importava muito a sensação que fosse despertar, desde que houvesse alguma se sentiria um pouco mais ela mesma.
Leu os amores, as escolhas e a imaginação e tudo fez sentido. Não houve necessidade de pensar, nem remoer, nem chorar, nem nada. Só ler já fazia tudo parecer dela. O que tinha nas páginas era algo tão seu, tão universal e facilmente compreendido que não precisava de mais nada a não ser o livro, o suco de uva manchando a página e as músicas de fundo de uma banda com canções humanas (nem alegres nem tristes) que lhe lembravam os mesmos tempos bons e distantes (nem tão) que o livro lembrava.
Ficou por fim, antes de se deitar com enjôo do suco de uva e amor no coração (por vários motivos), uma parte da canção e um trecho do livro:

“I don’t see you
Between me and the sun
I don’t see you
But I hear when you sing
Someday we may disappear
But I’m proud of what I have been” Between me and the sun - Cocoon

“Talvez por isso, quando levantam voo, as moscas não têm rumo certo, não saem do ponto em que se encontram para ir a um lugar definido, nem definitivo; apenas voam, sem planejamento, rota, medo ou dificuldade, sem apego, sem ambições nem amarras, sem projetos complexos, sem ciúme e sem saudade, e seja o que Deus (o das moscas) quiser.” Todo sentimento – Ana Laura Nahas

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