30 de março de 2010

Sossego bom

Tem um livro que nunca leio e sempre leio os trechos grifados, são realmente muito bons...
O livro se chama Inscrito no Corpo.

"Nos livros sobre privação, dizem a você para dormir com um travesseiro arriado do seu lado. Não como uma mulher holandesa, isto é, um travesseiro longo usado entre as pernas nos trópicos para enxugar o suor, não como uma mulher holandesa, repetindo. "O travesseiro lhe dará conforto durante as longas horas seguidas. Se adormecer, a sua presença ao seu lado será incoscientemente benéfica para você. Se acordar, a cama lhe parecerá menos espaçosa e solitária." Quem é que escreve esses livros? Eles acham realmente, esses conselheiros calmos e sérios, que sessenta centímetros de pano com enchimento pode aplacar a dor de um coração partido? Não quero saber de travesseiros, quero a sua carne respirando e em movimento. Quero que sua mão segure a minha na escuridão, quero rolar sobre você e enfiar-me dentro do seu corpo. Quando me viro durante a noite, a cama tem a largura de um continente. Existe um espaço branco infinito onde você está ausente. Eu o percorro centímetro por centímetro, mas você não está lá. Não é um jogo, você não irá surgir bruscamente e surpreender-me. A cama está vazia. Eu estou nela, mas a cama está vazia."

Esse trecho me lembra quando eu era pequena e tinha pensamentos ruins e vazios antes de dormir. Era horrível e me fazia chorar muito até a hora em que os pensamentos cessassem. Um tempo depois eu comecei a abraçar o travesseiro bem, bem, bem forte quando vinham esses pensamentos e tudo passava na hora. Era uma sensação muito aconchegante abraçar o travesseiro, encolher as pernas e abaixar a cabeça. Confortável, vinha o sossego. Os pensamentos pararam e só vêm de vez em quando.
O amor veio e me fez sentir o gosto que é abraçar a carne e a respiração enquanto dorme. O amor veio e me fez sentir o gosto que é ter o peso de alguém e o coração de alguém sobre você. O gosto que é ver os olhos alheios se fecharem de prazer e a boca procurar o beijo.
Essas sensações são um pouco viciantes, e a cada relacionamento se procura um jeito diferente e gostoso de senti-las, um jeito diferente e gostoso de amar.
E depois que eles deixam minha cama de casal vazia parece que a cama de casal não foi feita para não amar.
Hoje eu só ocupo metade da cama de casal. Acho estranho eu não achar estranho acordar na metade da noite e ver que a outra metade está vazia. Que não há pressão na cintura, nem cheiro de outro homem, nem respiração alheia, nem beijo sonolento de madrugada, nem sexo sonolento de manhã x)
É tanta coisa que tantos homens trazem pra gente e não levam embora, a sensação não vai embora, vai se acumulando e sossegando, é tudo meu agora.
Outro dia tentei abraçar o travesseiro pra aplacar o branco vazio, o silêncio vazio. E o abraço também foi vazio. Foi meio bobo até depois que tentei. Pois travesseiro não respira, travesseiro não cheira, travesseiro não ama nem faz carinho. Travesseiro não expande, apenas contrai quando a gente abraça. Abraçar o travesseiro é mais vazio do que o espaço vazio que tem do meu lado, porque com esse eu já acostumei.

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